A ALQUIMIA DO AMOR - 1
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Os sentimentos dela se misturavam em seu peito. Não
sabia o que fazer. Estava perturbada com algo incompreensível à
sua idade. Chorava e se alegrava com facilidade. Não pensava
em outra coisa senão no que sentia e para quem dirigia seus
sentimentos. Pensou em conversar com sua irmã, mas será que
ela entenderia? Misturavam-se, dentro dela mesma, sentimentos,
pensamentos e sensações. Seu corpo parecia um motor de uma
usina de força a trepidar expelindo faíscas. Queria se acalmar,
mas parecia que algo internamente se mexia sem parar. Lembrouse
de suas aulas de química, quando o professor misturava os
elementos num pequeno tubo. Será que isso estava acontecendo
dentro de seu corpo? Por que não conseguia controlar? Preferia
deitar-se para que tudo passasse. Dormia mais do que precisava.
Seu sono era inquieto. Acordava várias vezes, sobressaltada, na
expectativa de que algo diferente acontecesse. Em sua imaginação,
parecia que seus sentimentos eram pequenas bolas coloridas, que
iam por dentro de seu estômago, na direção de sua cabeça,
subindo e descendo sem parar.
Tudo aconteceu quando, numa aula na universidade, seu
colega do lado lhe tocou o braço e olhou em seus olhos,
perguntando pelos assuntos de uma prova que ocorreria na semana
seguinte. Naquele instante, sentiu uma forte emoção, como se lhe
subisse um calor pelo corpo e uma sensação simultânea de leveza
e bem estar. Até aquele momento desconhecia tais emoções.
Nunca havia se relacionado ou namorado alguém. Sequer tinha
beijado uma pessoa. Acabara de fazer vinte e um anos e sempre
fora uma pessoa tímida e retraída. Depois daquele momento os
olhos dele não saíam de sua mente. Tinha certeza de que não
gostava dele, então por que só pensava em estar a seu lado?
Nem sabia se ele sentia alguma coisa por ela.
Achava natural que alguém se interessasse por outra pessoa.
Via casais passeando de mãos dadas e achava perfeitamente
natural, dizendo a si mesma que um dia aconteceria consigo. Suas
amigas falavam de seus relacionamentos e ela acreditava que
viveria a experiência de ter alguém ao seu lado. Então, o que
provocara tamanha perturbação e alteração em suas emoções e
pensamentos? Não tinha qualquer preconceito em relação a sexo,
pelo menos até aquele momento. Passou o resto do dia intranqüila
e pensativa. Rememorou sua infância, seus amigos e seus pais.
Sua vida foi examinada fase por fase naquela tarde, tentando se
entender. Lembrou-se de um episódio na infância, que talvez tenha
ocorrido por volta dos oito anos de idade, em que brincava, com
seus primos e primas, de jogos que tinham prendas a serem pagas,
na forma de “beijocas”, sem qualquer malícia. Lembrou-se de
que enrubescia na adolescência quando via cenas com beijos na
televisão, evitando-as disfarçadamente. Questionou-se se não teria
sido por conta de sua educação religiosa que julgava as relações
entre masculino e feminino como erotizadas. Sim, realmente, ela
própria tinha esse tipo de idéia quando adolescente, mas deixou
de pensar dessa forma por causa de seu natural desejo de ter um
relacionamento amoroso. No fundo ainda achava pecado certas
atitudes em relação a sexo, mesmo algumas socialmente aceitáveis.
Em seu inconsciente ainda havia censura e medo.
Naquela noite sonhou que estava num campo bem verde.
Subia uma pequena elevação, chegando a uma casa na qual havia
duas portas de entrada. Sabia que, para entrar na casa, tinha
obrigatoriamente que escolher uma delas. Uma porta mais velha
desgastada pelo tempo, e outra recém pintada. Escolheu a que
estava pintada com uma tinta fresca. Ao adentrar a casa, encontrou
seu pai conversando com um homem, que identificou como sendo
seu irmão. Acordou com a impressão de que eles estavam falando
a seu respeito.
Passou o dia pensando no sonho e em seu possível
significado. Achou, inicialmente, que seu pai estava querendo falar
com ela, por isso sonhara com ele. Ele morava numa cidade do
interior, a duas horas de distância. Pensou que talvez tivesse
acontecido algo de ruim com ele e com seu irmão. Resolveu
telefonar para aliviar sua preocupação, descobrindo-a infundada.
Mesmo assim contou o sonho e pediu que eles não viajassem
naqueles dias. Seu sonho poderia ser por ela interpretado de forma
diferente. O campo verde poderia estar representando o estado
de êxtase que sentiu naquele momento, ao qual recusava dar vazão,
evitando um possível encontro amoroso, adequado à sua idade e
disponibilidade. A casa com duas portas poderia significar o
caminho da consciência, que se encontra em litígio para escolher
entre alternativas distintas, qual aquela que lhe levaria a um melhor
desfecho, sem culpa. As duas alternativas são polaridades
psíquicas, normalmente representadas pelo bem e pelo mal. São
escolhas opostas, cuja decisão deve ser tomada pela consciência,
sob pena de paralisia. Ela escolhe aquela porta que lhe parece
mais nova, portanto que aponta para um caminho feliz e venturoso.
É a escolha pela vida, pelo bem, pelo crescimento e pela
libertação. Depara-se, então, com a figura paterna e com o irmão.
Ambos representam aspectos psíquicos a serem compreendidos
como ícones de seus valores internalizados. São imagens
arquetípicas que estão apresentando a existência de complexos1
1 Os complexos são conteúdos psíquicos carregados de afetividade, agrupados pelo tom emocional comum. São ‘temas emocionais reprimidos capazes de provocar distúrbios psicológicos permanentes’,e que ‘reagem mais rapidamente aos estímulos externos’. ‘São manifestações vitais da psique, feixes de forças contendo potencialidades evolutivas que, todavia, ainda não alcançaram o limiar da consciência e, irrealizadas, exercem pressão para vir à tona.’ (Nise da Silveira)
inconscientes a serem integrados na consciência. Seu pai e seu irmão simbolizam os limites adquiridos ao longo de sua vida. São barreiras que controlam suas ações na relação com o masculino. Resultam de experiências, idéias e emoções que se aglutinaram no inconsciente, estabelecendo os limites de seu desejo de conectar-se a um homem. Sua sexualidade está aprisionada àqueles complexos, exigindo realização na vida externa. Aquele encontro simbólico, com seu pai e seu irmão, representa a necessidade de pedir a autorização paterna para que seu desejo se realize.
Conscientemente isso não é compreendido, nem tampouco é real.
Ela se acha suficientemente adulta e madura para não precisar
daquela autorização, motivo pelo qual a interpretação do sonho
não alcança esse nível de profundidade. Essa barreira deve ser
quebrada a bem de seu desenvolvimento pessoal, e consequentemente,
de sua individuação. No sonho, ela subia uma elevação,
que pode simbolizar o processo necessário de ir mais acima, ou
mais além, para entender o que se passa consigo própria.
Os personagens de seu sonho (seu pai e seu irmão) não
são entes imaginários de sua mente, trazidos pelas suas lembranças
da infância durante a tarde. As imagens podem ter sido construídas
com o auxílio daquelas lembranças, porém o enredo do sonho diz
respeito ao intrincado processo existente entre o inconsciente e a
consciência. Mesmo que se queira dar uma interpretação de
acordo com o pensamento espírita, de que o espírito se desdobra
durante o sono, encontrando outros com os quais estabelece
relações, fica a pergunta sobre a sincronicidade de o evento
ocorrer, exatamente no dia em que teve uma experiência ligada
Jung Vida e Obra, p. 37.) São unidades vivas dentro da psiquê e que gozam de
relativa autonomia. Por vezes somos dirigidos pelos complexos. Eles não são
elementos patológicos, salvo quando atraem para si excessiva quantidade de energia
psíquica, manifestando-se como conflito perturbador da personalidade. Os
complexos têm a facilidade de alterar nosso estado de espírito, sem que nos
apercebamos de sua presença constelada na consciência. À semelhança de um
campo magnético, não são passíveis de serem observados diretamente, mas por
meio da aglutinação de conteúdos que os constituem.
ao contato com o masculino. Mesmo que tenha havido tal
encontro, não descartado por mim, associo-o aos processos
inconscientes dela, que exigem de sua parte uma mudança de
atitude, para que sua vida não se paralise.
Sua interpretação do sonho não a levou a um bom desfecho.
Prisioneira do “pai” interno (arquétipo da lei, da disciplina e do
limite), evitou ir à faculdade, no dia seguinte, mobilizada pelos
pensamentos em torno do rapaz, seu colega. Queria ter controle
sobre seus pensamentos e emoções. Precisava conciliar as idéias
e desejos, para não se trair em presença dele. A si própria, afirmou
que não deveria ir porque poderia parecer disponibilidade vulgar
e desejo evidente por ele. Preferiu a companhia de si mesma e o
isolamento de tudo e de todos. Sua disposição foi, não enfrentar
e tentar entender o que se passava, mas de fugir àquilo que
desconhecia e que não estava sob seu controle.
O desejo por alguém, ou a energia natural para o contato
com outra pessoa, estaria agora sendo dirigido para ela mesma,
na direção do inconsciente, mãe de todos os destinos obscuros.
Ela não sabia que estaria entrando numa viagem perigosa na
direção da terra misteriosa, oculta e desconhecida dela mesma.
O sentimento, que poderia ser dirigido para fora, estava sendo
canalizado para si própria. Suas preocupações, muito embora
coerentes, não continham a constatação a respeito de sua própria
maturidade para entrar por aquele caminho, adequado à sua idade
e a toda mulher.
Posteriormente foi à aula, mas evitou o mesmo lugar em
que habitualmente sentava. Colocou-se no lado oposto. Ao chegar,
mais cedo do que o habitual, notou a presença do rapaz, que não
esboçou qualquer reação diferente ante sua chegada. Evitou-o
por muitos dias. Nesse tempo, a libido que deveria ser projetada,
era absorvida pelo inconsciente. Seu complexo estava absorvendo
a energia para a vida. Poderia ter enfrentado a situação com
absoluta naturalidade, sem a preocupação de ser ou não vulgar.
Afinal, nada há demais em sentir atração por alguém.
Esse movimento de entrada e saída da energia psíquica,
do inconsciente para a consciência e vice-versa, está sempre
ocorrendo na psiquê. Ele é permanente, move a vida e a torna
possível. Tudo se dá por conta do fluxo contínuo da energia
psíquica, seja na forma de libido sexual ou não, buscando as
experiências comuns para reverter-se em aprendizado ao espírito.
Ao direcionar, sem consciência de que o fazia, para aquele
movimento, isto é, conduzindo a energia psíquica para uma zona
inconsciente, ela conectava sua ação consciente a um complexo
latente. Seu complexo tinha raízes em sua relação paterna. O
fato de ter tido um pai bondoso, correto, justo e carinhoso, aliado
a uma forte repressão sexual auto-imposta, contribuíram para a
reação diante daquele rapaz.
O desejo de encontrar alguém, com quem trocar carinho e
afeto é arquetípico, isto é, inerente a todo ser humano. Este desejo
é uma espécie de energia amorosa. É a energia do amor em forma
embrionária. Essa energia se associa, no inconsciente, às experiências
pregressas gravadas na psiquê. Essa associação se dá como um
processo alquímico de mistura e depuração simultâneas.
O amor, que deveria movê-la para um objeto externo, era
dirigido para atender a um complexo interno. Isso lhe consumiu
muitos dias e noites, pensando em como seria um encontro com
ele. Idealizou várias situações, todas vinculadas ao seu complexo.
Frustrada em seu desejo, iniciou um processo de depressão com
sentimento de nulidade, resultante da libido dirigida a si mesma,
numa espécie de auto-erotização inconsciente.
Essa alquimia interna constante é o alicerce da vida à procura
de um sentido. À consciência, cabe canalizar essa energia a serviço
da realização pessoal. Não há possibilidade de recusa. Ou se usa
a energia psíquica atuando no mundo externo de forma consciente
ou ela é absorvida pelo inconsciente, alienando ou psicotizando o
indivíduo.
Os fatores que levam uma pessoa a fugir do mundo,
deixando de atuar nele, através da exteriorização do que vem do
inconsciente, são diversos e sutis. Ela não sabe o que a levou a
redirecionar sua energia psíquica para o caminho oposto à vida,
muito embora tenha encontrado uma justificativa plausível para
fazê-lo. Entre aquilo que a fez evitar o caminho da consciência e a
razão plausível corre uma conexão alquímica profunda, responsável
pela alteração na rota da energia psíquica. Essa química interna,
que mistura vetores de forças inconscientes, é inacessível à
consciência e se constitui num mistério à psicologia profunda.
Vontade consciente se mistura aos processos inconscientes,
redirecionando a vida do indivíduo. Tais processos inconscientes
decorrem de influências orgânicas instintivas, resultantes emocionais
das experiências pregressas gravadas no perispírito e das
influências espirituais.
Da mesma forma, o processo de auto-erotização, responsável
pela depressão, ocorre nesse nível profundo, à revelia da
consciência.
O amor é um sentimento de múltiplas faces, promovendo
uma gama imensa de conseqüências, que colorem a vida do ser
humano. Enquanto o sentimento é múltiplo, portanto referente a
diferentes estados emocionais, a palavra para defini-lo é única. O
sentimento de amor entre duas pessoas que vivem maritalmente
difere do existente entre, por exemplo, pai e filho. A mesma palavra
é utilizada para diferentes sentimentos. O primeiro contém
elementos eróticos e compromissos recíprocos que não estão
presentes no segundo.
O movimento de auto ou de alter erotização se alterna na
psiquê, proporcionando o fluir natural da vida. A polarização ou
radicalização demorada de qualquer das duas direções implica
em prejuízo à personalidade. Nem sempre a consciência percebe
o desequilíbrio provocado pela maior intensidade com que se utiliza
a energia psíquica na direção de um dos dois pólos.
O questionamento que ela fez a respeito de sua incapacidade
de enfrentar sua dificuldade e de entender o que se passava
consigo, não foi suficiente para reverter o processo. Somente a
percepção racional não é suficiente para alterar os padrões
psíquicos. É preciso uma forte vontade consciente aliada à
percepção dos mecanismos sutis de defesa na mente para modificar
a alquimia automática que se processa na psiquê.
Todo seu esforço não contou com um movimento de seu
colega em sua direção. Caso tivesse acontecido, poderia ter sido
melhor para ela, salvo se recuasse mais ainda.
A depressão foi se instalando à proporção que ela se retraía
do mundo e se sentia incapaz de ter um relacionamento a dois. O
caminho para os antidepressivos ficou fácil de ser percorrido. Sem
saída consciente, pensou que um remédio poderia resolver. Não
analisou que a alquimia não mistura substâncias químicas, mas
resultantes emocionais de experiências. Não sabe que a mente não
se localiza no cérebro, muito embora nele interfira se utilizando de
neuro-transmissores. A medicação altera as influências orgânicas
sobre a mente, mas não atinge diretamente a causa do problema.
São úteis quando os limites de suporte pessoal são rompidos e
quando o comprometimento orgânico é consideravelmente grande.
Quando o prejuízo orgânico (deficiência na produção e
captação de serotonima entre neurônios cerebrais, deficiência de
dopamina ou alguma disfunção de outra natureza) é menor, o efeito
placebo (remédio ineficaz do ponto de vista material, sem efeito
real no organismo) tem grande eficácia no tratamento de certas
doenças de fundo emocional. O ser humano ainda está muito longe
do tempo em que uma substância química, de forma direta, altere
um conteúdo psíquico emocional. As alterações químicas ocorridas
no sistema nervoso central decorrem de processos orgânicos, cuja
base é o binômio estímulo/resposta, bem como de processos
psíquicos conscientes e inconscientes.
O evento externo que se deu com ela não é apenas a causa
de sua depressão, mas, principalmente, aquilo que poderá fazer
conectar novamente sua consciência com algo obscuro e
encastelado no inconsciente. Neste sentido, sua depressão é uma
tentativa bizarra e mal sucedida de cura.
A alquimia interna consegue misturar forças que atuam no
interior da psiquê e que têm origens distintas. Os instintos, na
forma de impulsos que devem atender a prioridades orgânicas,
são os fatores mais intensos na determinação do ato que se
pretende realizar. As pressões químicas internas (dores, excesso
e falta de certas substâncias, deficiências congênitas ou adquiridas,
etc.) promovem também impulsos inconscientes que participam
dos atos humanos. Respostas a estímulos internos ou externos
também compõem o espectro de componentes que atuam na
consecução dos atos humanos. A vontade consciente e as
influências inconscientes (espirituais ou não) são ainda outros
fatores que compõem o espectro de vetores que se misturam numa
alquimia constante e inconsciente, formando a determinação em
fazer ou não alguma coisa, bem como influenciando as idéias e
pensamentos.
O amor é a fonte da vida, razão pela qual o universo se
move. Ele é o motivo transcendente da depressão, bem como o
veículo capaz de promover sua cura. Sua ação se dá na intimidade
do ser humano, nos processos alquímicos de seu psiquismo,
levando-o para dentro de si mesmo, no contato profundo com o
Criador. Devolve ao depressivo o gosto pela vida e possibilita
que encontre, pelo menos, uma razão para viver.
CONTINUA ...
Este é apenas o primeiro capítulo do livro ALQUIMIA DO AMOR de Adenauer Novaes.
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